Demonstrativo financeiro: o que é e como analisar?

Uma boa análise de investimentos muitas vezes começa pela contabilidade. As empresas listadas na bolsa precisam divulgar seus demonstrativos financeiros, trimestralmente, para que os acionistas investiguem o resultado.

Fazem parte dos demonstrativos financeiros, por exemplo: o Demonstrativo de Resultados (DRE) e o Balanço Patrimonial (BP).

Muitos investidores que decidem entrar no mundo das ações sem o conhecimento para analisar esses dados costumam perder bastante dinheiro ao longo do tempo. Um caso famoso foi o das empresas X, do empresário Eike Batista.

As empresas do grupo X abriram capital na Bolsa e as suas cotações subiram muito, mesmo com os balanços das empresas indicando que não eram lucrativas e que apresentavam despesas bem superiores aos ganhos. O resultado foi que diversos investidores apostaram o patrimônio nessas empresas e o viram derreter, vendendo com prejuízo para recuperar alguma coisa.

As mudanças no padrão contábil no Brasil, que antes era BR GAAP, para o padrão internacional IFRS, aumentou a flexibilidade do contador quanto alguns lançamentos contábeis. Mais recentemente, vimos a atualização para o IFRS 16.

O processo de entender a contabilidade, a partir dos demonstrativos financeiros, ajuda o investidor a não cair nas armadilhas e a criar bases sólidas para elaborar suas premissas de investimento em uma boa análise fundamentalista.

Antes de tudo, você precisa entender um pouco mais de contabilidade. Uma introdução a contabilidade é desejável para qualquer investidor que busca ser bem sucedido. Dentre os principais pontos que você deve aprender, estão os princípios gerais da contabilidade, como funciona o método das partidas dobradas (débito/crédito) e quais as principais contas ou rubricas contábeis.

Princípios gerais da contabilidade

A ciência contábil é regida por sete princípios básicos:

Princípio da Entidade: O patrimônio da empresa não se confunde com o patrimônio dos sócios;

Princípio da Continuidade: Assume-se que a empresa continuará em operação no futuro;

Princípio da Oportunidade: A mensuração e apresentação dos componentes patrimoniais devem produzir informações íntegras, apuradas com base nas informações mais recentes e confiáveis;

Princípio do Registro pelo valor original: Os componentes do patrimônio precisam inicialmente ser registrados pelos valores originais de cada transação, expressos em moeda nacional;

Princípio da Competência: Tudo que estiver ligado a venda (receita, custos e despesas), mesmo que o recebimento/pagamento seja realizado em mês posterior, deve ser registrado no mês correspondente a venda, conhecido como regime de competência.

Princípio da Prudência: Adotar o menor valor para os componentes do ATIVO e o maior valor para os do PASSIVO, sempre que existir alternativas igualmente válidas de apuração. Ou seja, ser o máximo conservador na apuração da contabilidade quando o critério for mais subjetivo.

Princípio da atualização monetária: Toda alteração no poder aquisitivo da moeda nacional deverá ser reconhecida na demonstração financeira.

O que é o Demonstrativo de Resultados do Exercício (DRE)?

O DRE é um documento publicado pelas empresas, com periodicidade trimestral e anual, para reportar seus resultados e performance operacional para o mercado. A DRE inclui informações importantes como: Receita Bruta, Receita Líquida, Custo de Mercadoria Vendida, Despesas de vendas, administrativas e gerais, Depreciação, Despesas financeiras, Impostos pagos e Lucro líquido.

O DRE faz parte das demonstrações financeiras, que incluem o Balanço Patrimonial e Fluxo de Caixa, e é uma obrigação das empresas listadas, na bolsa de valores, a disponibilização dessas informações.

Analisando um DRE, em conjunto com os outros demonstrativos financeiros, o investidor pode se informar sobre a saúde financeira da empresa e determinar se ela é ou não um bom investimento.

Entendendo o DRE

Uma parte da análise fundamentalista, chamada de análise de demonstrativos financeiros, é realizada calculando indicadores, ratios e fazendo uma análise horizontal e análise vertical dos demonstrativos financeiros.

A análise fundamentalistas também se baseia nos demonstrativos financeiros para realizar projeções de fluxo de caixa.

O mercado costuma realizar projeções para os resultados trimestrais das companhias e, dessa forma, quando essas informações são disponibilizadas, há uma comparação do projetado com o realizado que costuma gerar grande volatilidade na cotação da empresa em bolsa.

Quando as empresas divulgam resultados melhores que o projetado pelo mercado, as ações tendem a subir no curto prazo. Quando acontece o contrário, elas tendem a cair no curto prazo. Essa comparação é realizada tanto para Receita, Lucro Operacional e Lucro Líquido como para alguns indicadores operacionais.

Principais lançamentos no DRE

Receita Bruta: Representa o total recebido pela empresa com a venda dos seus produtos e é dado pela multiplicação da quantidade vendida pelo preço final de venda. É contabilizado em regime de competência (dentro do próprio mês em que ocorre a venda, independentemente do recebimento dos valores da venda serem realizados em outro período);

Receita Líquida: Representa a receita bruta menos os impostos incidentes diretamente sobre o faturamento (venda) como, por exemplo, o ICMS, ISS, IPI, etc, que vão para o governo e não ficam com a empresa;

Custos de Mercadoria (Produto, Serviço) Vendida: O custo de tudo que foi gasto diretamente no processo produtivo: matéria prima, salários da mão de obra, depreciação, etc, utilizados na produção do bem ou serviço;

Lucro Bruto: Representa a receita líquida menos os custos de mercadoria vendida e define o quanto a empresa gera de resultado a partir do seu processo produtivo. Uma margem bruta alta, em comparação com outras empresas do mesmo setor, evidencia que a empresa tem alguma vantagem competitiva seja por custos de produção mais baixos ou por um poder maior de precificação dos produtos na hora da venda;

Para facilitar essa comparação, é muito comum calcularmos a margem bruta em relação a receita líquida da empresa em termos percentuais:


Despesas: Todas os gastos necessários para garantir o funcionamento da empresa e que não estão associados diretamente ao produto vendido: salários da área administrativa, comissão de vendas, depreciação dos bens na área administrativa, provisões para devedores duvidosos, etc são lançados nessa conta.

A contabilidade gerencial é a ciência responsável por alocar corretamente os gastos da empresa entre custos e despesas de maneira correta. Algumas contas são parecidas na sua denominação (salários, depreciação, aluguel, energia, etc) mas podem ser alocadas de maneira distinta, dependendo da sua participação na produção ou não do produto/serviço vendido.

Lucro Operacional: Representa o lucro bruto menos as despesas (com vendas, gerais e administrativas) e define o quanto a empresa gera de resultado a partir da sua operação. Uma margem de lucro operacional alta evidencia uma eficiência operacional da empresa e pode ser comparada também com outras empresas do mesmo setor;

Para facilitar essa comparação, novamente, é muito comum calcularmos a margem operacional em relação a receita líquida da empresa em termos percentuais:

Lucro antes dos juros e impostos (EBIT): Entre o lucro operacional e o resultado financeiro podem haver lançamentos que muitas vezes não são recorrentes e podem prejudicar a sua análise. O EBIT (Earnings before interest and taxes) representa o cálculo do lucro operacional menos outros lançamentos como receitas/despesas operacionais, equivalência patrimonial e etc.

No exemplo da figura abaixo, a empresa chamou o EBIT de lucro operacional. Não há problema, é uma questão de interpretação.

Resultado Financeiro: Engloba as despesas financeiras com os juros de empréstimos pagos dentro do período apurado e as receitas financeiras, que são os rendimentos do caixa da empresa aplicado principalmente em títulos de renda fixa, por exemplo, em um CDB.

Lucro Antes do IR: Representa o lucro operacional ou o EBIT somado ao resultado financeiro que pode ser negativo ou positivo, dependendo se a empresa possui mais dívida ou caixa em seu balanço;

Lucro Líquido: Lucro após o pagamento dos impostos de renda (IRPJ e CSLL), também conhecido como bottom line (última linha). É a informação mais importante do DRE.

O Lucro Líquido é igual a Receita Líquida menos os Custos de Produtos Vendidos (CPV), das Despesas de Vendas, Administrativas e Gerais (VAG), da Depreciação, Juros e Impostos pagos.

Lucro Líquido = Receita Líquida – CPV – VAG – Depreciação – Juros – Impostos.

Na imagem a seguir, temos um exemplo do demonstrativo de resultados (DRE) da empresa Gerdau S.A. (GGBR3/GGBR4), onde podemos ver todos os termos que vimos anteriormente:


As empresas usam o Lucro Líquido para encontrar o lucro por ação e a partir calcular a distribuição de dividendos para os acionistas.

Os analistas costumam se referir ao Lucro Líquido como bottom line, ou ultima linha em português, por ser exibido na última linha do DRE e para alguns ser a mais importante das informações. O valor do Lucro Líquido é também utilizado no calculo do ROE (Retorno sobre Patrimônio Líquido).

O que é o ROE?

O ROE (Retorno sobre o Patrimônio Líquido ou Return on Equity em inglês) é um indicador que mede a quantidade de lucro líquido que retorna como porcentagem do patrimônio líquido da empresa. Dessa forma, ele revela quanto de lucro líquido a empresa gerou com o total de dinheiro investido pelos acionistas.

Da mesma forma como o ROIC e ROA, é um indicador de rentabilidade e uma das métricas financeiras mais importantes para se analisar em uma empresa.

O ROE é expresso em porcentagem e é calculado da seguinte forma:


Normalmente, utiliza-se o lucro líquido anual.

Entendendo o indicador de rentabilidade

O ROE é muito útil para comparar a rentabilidade de uma empresa com outras em uma mesma indústria/setor. Ele também indica o quanto efetiva é a companhia em rentabilizar (i.e. fazer crescer) o dinheiro investido pelos acionistas. Em resumo, quanto maior o Retorno sobre o Patrimônio Líquido, maior a eficiência operacional e financeira da empresa na utilização desses recursos.

Entretanto, manter um ROE alto, por muito tempo, é uma tarefa árdua para a gestão da empresa. Para garantir um alto nível de rentabilidade, no longo prazo, é importante que a empresa tenha alguma vantagem competitiva sustentável.

O ROE varia substancialmente entre setores. Há setores que apresentam uma rentabilidade média superior aos outros. Essa diferença é um grande indicativo da estrutura de mercado do setor.

Só para exemplificar, ROE alto é mais comum em setores monopolistas ou oligopolistas. Setor monopolista é aquele que tem apenas uma empresa, enquanto que o setor oligopolista é aquele com pouquíssimas empresas competindo.

Por outro lado, os setores com rentabilidade baixa são aqueles inseridos em uma estrutura de mercado chamada de concorrência perfeita. Afinal, na concorrência perfeita há diversos competidores brigando pelas fatias de mercado, o que puxa a rentabilidade para baixo.

ROE no longo prazo

É comum verificar que as empresas com forte valorização em bolsa possuem altas taxas de rentabilidade e que foram mantidas por um longo período. Entretanto, essa alta taxa de retorno, em algum momento, acaba atraindo mais competidores para o setor. Dessa maneira, uma vez que a competição aumenta, é muito provável que o ROE alto caia para valores mais baixos.

Contudo, analisar o ROE médio, de anos anteriores, dá uma boa ideia para o investidor sobre o crescimento histórico da companhia. Isso acontece porque, o ROE e o Retorno Total para o Acionista possuem forte correlação no longo prazo. Dessa maneira, com uma projeção do ROE é possível estimar o potencial de valorização da empresa.

Exemplo:

Suponha uma empresa com um patrimônio líquido de R$1 bilhão. Essa empresa está sendo negociada, hoje, com um múltiplo P/VPA igual a 2. Dado esses valores, a empresa é precificada, no mercado, por cerca de R$2,0 bilhões.

Se a empresa apresentar um ROE de 20% ao final de um ano, significa que o patrimônio líquido cresceu 20%. Agora ele vale R$1,2 bilhão. Se o mesmo múltiplo de negociação se manter, a empresa deverá valer, no final desse ano, R$2,4bilhões.

De R$2,0 bilhões para R$2,4 bilhões em valor de mercado, houve uma valorização de 20% que é o mesmo valor do ROE. Ou seja, a valorização da empresa foi igual ao ROE dela.

Principais lançamentos no Balanço Patrimonial

Vamos prosseguir com o exemplo da empresa Gerdau S.A. (GGBR3/GGBR4), agora com o seu Balanço Patrimonial (BP), para ilustrar melhor os termos que aprenderemos nessa aula.

Ativo circulante: Todos os direitos que a empresa tem a receber em um prazo de até um ano. Por exemplo: dinheiro em caixa ou aplicado, contas a receber de clientes e estoques;

Ativo Realizável no Longo Prazo: Todos os direitos a receber depois de um ano. Por exemplo: aplicações e contas a receber com vencimento após 365 dias;

Ativo Permanente: Direitos que não têm prazo de recebimento definido, apenas se forem vendidos. Por exemplo: Imobilizado, Investimentos em outras sociedades e Ativos intangíveis;


Passivo Circulante: Todas as obrigações que a empresa tem a pagar em um prazo de até um ano. Por exemplo: contas a pagar para fornecedores, juros corrente da dívida e parcela da dívida que irá vencer em até um ano;

Passivo Não Circulante: Todas as obrigações a pagar em um prazo após um ano. Por exemplo: contas a pagar para fornecedores e parcelas de dívidas com vencimento após 365 dias;


Patrimônio Líquido (PL): É a principal informação do balanço patrimonial e é dado pelo total de ativos menos os passivos da empresa. Representa o valor líquido dos ativos da companhia e em alguns casos é chamado de valor de liquidação, isto é, em caso de encerramento da operação da empresa seria o valor recebido pela venda de todos os ativos após o pagamento do passivo.


Uma observação importante sobre o passivo é que ele fica ordenado por prioridade em caso de uma falência. Isso significa que a empresa precisa pagar primeiro o passivo circulante, ou seja, fornecedores, encargos trabalhistas e dívidas de curto prazo. Por último, se restar algum dinheiro, poderá pagar o passivo não circulante (basicamente as dívidas de longo prazo) e por último os acionistas (representado pelo patrimônio líquido).

Essa aula pode ser o primeiro passo para tornar-se um investidor de sucesso em ações, por isso, compartilhe com os seus amigos!

Atualizado em

Por: Bruno Papi

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